quarta-feira, 9 de julho de 2008

O Penedo do Homem

Penedo do Homem ou Penedo do Açougue ( foto: década de 90). Em 2007, desloquei-me a esse lugar para fotografar novamente o monumento, mas nem o local reconheci. O penedo já devia estar desfeito em pó. A propósito deste desaparecimento, publiquei um artigo no Boletim Cultural, nº13, da Escola Sec. Camilo Castelo Branco - Vila Real, em Março de 2007.



Tal como este resto de muro, também eu fiquei espantado, ao ver o estado em que ficou a proximidade do Penedo do Homem. Também ele "não sabia nadar"! (foto: Janeiro de 2007).

O Penedo do Homem

Numa terra granítica como a de Alpendorada e Matos, alguns penedos mais proeminentes, situados na encosta do Monte Arados, assumiram ao longo do tem­po uma dimensão lendária. Desde as margens do rio Douro até ao cume do monte, algumas destas formações graníticas foram destruídas, à medida que iam sendo exploradas, essencialmente para esteios das vinhas. E enquanto estes promontóri­os eram transformados pela encosta, restava somente o seu nome e a lenda que os alimentava.
A exploração e transformação do granito em Alpendorada terá surgido na primeira metade do século passado, junto às margens do rio Douro. Arnaldo Dionísio da Silva, natural do lugar ribeirinho de Fontelas, na proximidade do mosteiro de Alpendorada, inicia a primeira exploração de granito junto ao penedo dos Dois Irmãos, situada no lugar do Casal. Até 1939, ainda existiam estes pene­dos como refere uma notícia de O Marcoense, a propósito das cheias do Douro no final de Janeiro desse ano: “Que horas amargas não passam esses habitantes ribei­rinhos, quando o rio começa (…) a cobrir o Penêdo do Lôbo, os Dois Irmãos, o Cerejo Grande…”. Estes dois últimos terão sacrificado, assim, a sua existência ao ganha-pão dos pedreiros de Alpendorada. Mais tarde, Arnaldo Dionísio desloca essa actividade para o lugar da Raposeira, afastando-se, assim, da margem do rio.
A necessidade de matéria-prima para a construção da ponte Duarte Pacheco, em Entre-os-Rios, no final da década de trinta, leva muitos braços a retirarem o granito na encosta do monte, no lugar da Linha Recta. Iniciava-se, desta forma, o abocanhar do monte Arados, como indicia O Marcoense na edição de 15 de Julho de 1939: “Foi muito louvável a resolução tomada pela O.P. e principalmen­te pela J.A.E., de construir a “ponte” de pedra ou granito. É o monte “Ladário”, ao centro de Alpendurada, que a fornece toda, quer para alvenaria quer para cantaria. Andam enxames de artistas nas duas raízes do monte – a do Sul e a do Norte – a quebrar e a preparar as pedras. Quando se der por terminada a ponte, o Ladário dará a impressão de duas beliscaduras nas suas faldras… tal é o seu tamanho!...”
A partir desta época, a exploração granítica sofrerá um aumento nos vários cantos do monte, até ao seu ponto mais sensível – o Castro de Arados. Na proxi­midade desta fortaleza natural, testemunhava o meu pai que, em criança, trepava ao Penedo do Sino, para o fazer baloiçar e assim ouvir o toque do granito, quando embatia na base. Com certeza, um som mais forte o extinguiu da paisagem e da memória.
Num projecto que realizei durante a década de noventa, para uma ex­posição integrada nas Primeiras Jornadas Cul­turais de Alpendorada, fotografei um dos poucos penedos lendários ainda existentes, embora já ata­cado por um tiro. Levou-me ao local um amigo dizendo que aquele era o Penedo do Homem. Registei-o, então, em duas fotografias, e fiquei com a explicação do nome. Visto de frente, apresentava uma silhueta antropomórfica. A partir daí, esse penedo aninhou-se na minha memória, como um símbolo de união entre esta terra e os seus habitantes, onde estes retiravam o seu sustento. O seu interior carcomido lembrava uma gruta e, na parte superior, ao centro, apresentava um pequeno orifí­cio natural. Revisitei-o em 2004, enquanto preparava a obra Alpendorada e Matos – Península de História. Voltei a fotografá-lo em várias perspectivas como que a acarinhá-lo pela minha ausência de décadas. E ficou a promessa de o eternizar nesse livro que preparava. Soube então que o seu nome era mais extenso. Também lhe chamavam o Penedo de Mata-cabrões e Penedo do Açougue. Recebera esta designação pela tese lendária de que aí se imolavam animais. Através do pequeno buraco, com o diâmetro de alguns centímetros, pendurar-se-iam os animais. Como argumento desta tese, a laje que sustentava este penedo apresentava um tom rosado na direcção do orifício que, segundo a lenda, se devia ao sangue escorrido pelos animais.
No último dia de 2006, visitei o local e não encontrei o símbolo que espera­va, apesar de outro amigo me ter comunicado na véspera que ele desaparecera. Quase não reconhecia o espaço envolvente. Uma enorme cra­tera com centenas de metros de diâmetro e de profundida­de, sem qualquer protecção em volta, engoliu-me aquele penedo que eu tinha na me­mória. No fundo da cratera, ao lado de um montão enor­me da encosta desfeita em brita, reluzia verde uma pis­cina natural. Também este penedo não soube nadar! O poder destrutivo das máqui­nas e do dinheiro afogaram a última lenda granítica. Nunca este penedo deveria consentir o nome de Homem, mas de homem açougueiro, porque o retalhou em pó e imolou a própria lenda. E assim se desfaz a nossa história.


Fontes
João Pinto Vieira da Costa, Alpendorada e Matos – Península de História, Junta de Freguesia de Alpendorada e Matos, 2005.

O Marcoense. Edições de 28 de Janeiro e 15 de Julho de 1939.

Testemunho manuscrito sobre a origem das pedreiras em Alpendorada, oferecido ao autor por Maria Augusta da Silva Valente, residente no Rio de Janeiro.

In Boletim Cultural nº 13, Escola Secundária Camilo Castelo Branco, Março de 2007.

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